As negociações coletivas no setor da saúde suplementar desempenham um papel crucial para o equilíbrio entre os interesses das empresas e dos trabalhadores dos serviços de saúde, especialmente após as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a permissão constitucional do “negociado sobre o legislado”, desde que não afete direitos garantidos pela Constituição Federal, e a decisão de dezembro de 2023 sobre o Piso Nacional da Enfermagem, que atribuiu às negociações coletivas a instituição de pisos regionais, levando em consideração a capacidade financeira dos estabelecimentos de saúde. Portanto, o diálogo social entre as representações sindicais patronais e laborais emerge como um dos principais instrumentos para promover condições de trabalho mais equilibradas.
Vale destacar que o setor é intensivo em mão de obra, sendo o terceiro segmento econômico com o maior número de trabalhadores celetistas do país, formado por um contingente de 76% de pessoas do sexo feminino e tendo como sua maior faixa de contratações jovens de 18 a 24 anos. Além disso, é um segmento que enfrenta desafios tão peculiares, como a alta demanda por mão de obra qualificada, as pressões regulatórias e as expectativas crescentes da sociedade por qualidade e acesso.
Com todas essas características e particularidades, o setor de saúde privada é marcado por uma dinâmica única. A continuidade dos serviços é essencial, uma vez que interrupções impactam diretamente a vida e o bem-estar dos pacientes. Não por acaso, a realização de greves ou indicativos de greves não são facilmente acolhidos na Justiça do Trabalho. Esse fator coloca as negociações coletivas em uma posição de destaque, pois qualquer acordo precisa considerar tanto os direitos dos trabalhadores quanto a garantia da prestação de serviços à população. Assim, há uma necessidade de maturidade nas relações entre sindicatos patronais e laborais, de forma a construir soluções que atendam às demandas de ambas as partes, não sendo característica do setor que as negociações sindicais terminem somente em sede de dissídio coletivo em âmbito da Justiça do Trabalho.
Entre os principais temas discutidos nas negociações coletivas do setor, destacam-se a remuneração, sendo, nos últimos anos, a forma e condições de operacionalizar de forma regionalizada o Piso Nacional da Enfermagem (PNE) a grande vedete desse debate; as condições de trabalho; e a segurança dos profissionais da saúde. Em relação à remuneração, é comum que os sindicatos laborais reivindiquem reajustes que compensem a inflação e tragam ganhos reais para os trabalhadores, além de pleitos de aplicação integral do PNE, enquanto as empresas buscam compatibilizar esses aumentos com suas realidades financeiras, tão distintas e regionalizadas, havendo ainda uma forte discrepância de poder financeiro das empresas da saúde dentro dos diversos segmentos econômicos que a saúde dispõe dentro de um único estado. O desafio é encontrar um ponto de equilíbrio que assegure a satisfação dos profissionais sem comprometer a viabilidade econômica dos estabelecimentos de saúde privada.
No tocante às condições de trabalho, há uma demanda crescente por melhorias que garantam a saúde física e mental dos trabalhadores. Não raro, busca-se a inclusão de dias de descanso não previstos em lei e que fogem à regra geral da jornada 12 x 36, que é tida como a jornada padrão dos trabalhadores em atividades assistenciais, que é a massa de trabalhadores no setor, além de apoio psicológico e outros benefícios que visam à qualidade de vida dos trabalhadores.
Outro aspecto é a segurança e saúde no ambiente de trabalho. O setor da saúde está entre os mais suscetíveis a riscos ocupacionais, incluindo a exposição a agentes biológicos, acidentes com materiais perfurocortantes e episódios de violência contra profissionais, este último provocado, na sua quase totalidade, por terceiros não pertencentes ao quadro funcional dos estabelecimentos de saúde. Nessas situações, as negociações coletivas permitem a discussão e implementação de medidas como fornecimento adequado de equipamentos de proteção individual (EPIs), treinamento regular e protocolos de segurança.
Para os empregadores, as negociações coletivas também são uma oportunidade de buscar maior previsibilidade e segurança jurídica nas relações de trabalho. Por meio de acordos e convenções coletivas, é possível estabelecer regras claras que ajudem a prevenir conflitos, reduzindo a necessidade de judicialização de questões trabalhistas. Além disso, os instrumentos coletivos podem ser utilizados para criar condições diferenciadas que favoreçam a produtividade e a retenção de talentos.
O certo é que as negociações coletivas de trabalho tornaram-se um dos importantes elementos para o desenvolvimento sustentável do setor de saúde. Elas promovem a harmonização de interesses e fortalecem as relações de trabalho, contribuindo para um ambiente mais saudável e produtivo. Para que esse potencial seja plenamente realizado, é essencial que todas as partes envolvidas mantenham uma postura de boa-fé e compromisso com o diálogo, buscando soluções que beneficiem os interesses de ambas as partes.